quinta-feira, 18 de junho de 2009

O GRUPO FRANKENSTEIN E O ACARAJÉ JUDAICO

Nada como fazer parte de um “grupo Frankenstein”. E o que seria isso? Simples, é um grupo formado de cada pedaço de um lugar diferente.
Uma participante assídua desse grupo é Nana, uma japonesinha bem meiga e tímida, que toda hora troca o “r” pelo “l” (como o Cebolinha da Turma da Mônica). Essa ingênua criatura foi vítima constante do humor de uma de nossas professoras, Jöel- uma francesa sexagenária muito irônica e alegre. Então quando Nana resolveu nos contar que, curiosamente, a soma dos meses da gravidez no Japão era diferente e portanto era igual a dez meses e não a nove como nos outros países, Jöel não perdeu tempo em responder que o motivo disso era que na verdade os japoneses precisavam de um mês a mais para fabricar a máquina fotográfica.
Pertencia também ao grupo Arad, um militar do exército austríaco, com um bigodinho peculiar... muito parecido com outro austríaco, não sei se vocês se lembram do baixinho ditador? Bem, Jöel deu um pequeno ato-falho chamando-o de “Adolf”... não sei se ele ficou muito sentido, quem sabe até lisonjeado? Só sei que o israelense (Eden) e eu tivemos que sair da classe por não conseguir parar de rir.
Numa tarde de sexta-feira saímos Julia e eu... Julia é uma grande amiga baiana e esse “grande” vem tanto no sentido denotativo – ela tem 1,80m de altura, 1,16m só de perna, isso explica a minha dificuldade de acompanhá-la nas caminhadas- e no sentido conotativo, pois não sei “o que é que a baiana tem?” Mas sei que com a sua meiguice e simpatia ela ganhou minha amizade e coração em pouco tempo. Voltando ao nosso passeio, fomos ao bairro judeu ( Les Marais- o qual por acaso também é o bairro gay) e lá vimos uma roda de judeus ortodoxos dançando para comemorar a chegada do Shabat , é óbvio que me emocionei e resolvi apresentar a Julia o nosso Faláfel- ela adorou e falou, em baianês: “Bacaninho! É um acarajé judaico!”- afinal de contas todo povo tem direito ao seu acarajé!
Falando em comida... teve a vez que ajudei Martino, um italiano, a fazer a legítima pasta italiana... muito bem, depois de duas horas para comprar ingredientes, fomos para minha casa, para só então perceber que a cozinha era pequena demais. Então fomos para o “foyer” de Julia... que fica do outro lado de Paris, ou seja a quase 40 minutos de metrô, na hora do pico, para amassar a pasta por cinco horas... inesquecível!!
Para melhorar Christelle- a responsável pelos alunos na escola resolve que o programa cultural da semana seria um show de musica brasileira num bar perto do Les Marais, “D’Accord, allons y!” (“Ok! Vamos!”)... fomos todos, com direito a Nana, Julia, Onurq (um turco muito simpático), Dorothé (uma alemã bióloga... não preciso explicar mais sobre a personalidade), Christelle, Deborah (estagiária da escola, super responsável, tímida e certinha) e, dentre outros, eu- claro. Bem, inicialmente não havia quase ninguém no bar... mas o show foi começando e as pessoas chegando...mas, engraçado... só mulheres? E como elas são gentis comigo e com as meninas... bacana. Estilo diferente, não? Bom, pra quem ainda não entendeu, Christelle não percebeu o pequeno detalhe de que o bar era lésbico... o que foi um pouco chocante para Nana, que provavelmente nem sabia que esse tipo de opção existia...
Mas com a música ótima, o ambiente muito legal e pessoas realmente interessantes tudo foi muito divertido. Até para Débora que foi encarregada de levar-nos todos, bêbados, ao metrô... à meia noite...
Depois de tudo isso fiquei pensando... talvez a queda da Torre de Babel não tenha feito tanto estrago, pois no final das contas talvez o mundo seja muito mais divertido assim sem todo mundo se entender de cara... e acho que no fundo existe uma língua de amizade, sorrisos, abraços e, certamente, olhares que todos conhecemos. Não sei se com essa linguagem seria possível construir uma torre até o céu, mas com certeza ajudaria muito a Terra.
“Gênesis 11:1-9: Em toda a Terra, havia somente uma língua, e empregavam-se as mesmas palavras.”

O TAMANHO DA BAGUETTE

Eu acho impressionante como os franceses tem essa pequena tendência a se mostrarem superiores. Deve essa a razão de terem um enorme símbolo fálico no meio de sua capital, a Torre Eiffel. A verdade é que não dá para vir à Paris e voltar sem ter vontade de enforcar um parisiense, é uma espécie de batismo para os imigrantes que aqui se encontram. Bem, fui batizada, no meu caso uma espécie de segundo Bat-mitzva ... essa semana.
Chega aquela hora que você percebe que você não fala a mesma língua, não têm os mesmos costumes, não está no seu país, a lua não está na mesma posição e nem a água da privada gira para o mesmo lado. Dada a minha situação local, sem amigos, sem parentes, sem televisão, sem Prozac, sem... nenhuma. Comecei a sentir falta até dos trombadinhas, achar a vida aqui tão sem emoção – você sai de casa e sabe que vai voltar sem, pelo menos, um assalto a mão armada ou bala perdida. Quando cantarolei uma música de axé, achei melhor tomar uma atitude.
Resolvi alugar um DVD pra passar o tempo, já que aos feriados Paris fecha por inteiro. Bem, um cidadão, recepcionista da “Maison” em que me encontro, indicou-me uma locadora a quatro quarteirões de distância. Muito bem, alugado o filme, volta-se para a residência... e o filme não funcionou! Fui devolver o filme e me perdi por aproximadamente nove quarteirões. Voltei para perguntar para o dito cujo onde era a maldita locadora, e com aquele olhar arrogante ele disse: “Ahh... comment? Moi? Je ne me souvenir pas?” Não preciso dizer que foram mais nove quarteirões para achar. Mazel Tov!
Mas voltando aos símbolos, todo povo tem a maneira de ressaltar sua libido, os brasileiros pelas roupas sensuais, outros povo pelo seu extremismo radical, os americanos pelos carros enormes... mas nada disso é suficientemente “Cult” para os parisienses, por outro lado o estilo Sartre não demonstra muita sensualidade atualmente, então por que não apelar para a culinária, dependendo do seu estado de espírito, existem baguettes de todos os tamanhos...
No domingo resolvi que iria no bairro judeu, Les Marais, comer um faláfel e visitar o museu Carnavalet. Muito bem, o dia estava ensolarado, tudo estava indo como o esperado. Comi meu, grotescamente grande faláfel, e fui para o museu. Bem, o que posso dizer é que meu estômago não respeita tanto as artes da Revolução Francesa quanto eu. Foram mais ou menos quarenta minutos no banheiro. Saí quando o museu ia fechar.
Voltando para casa cansada e um pouco triste, com a minha baguette do tamanho de um brioche... mas quando entrei no metrô ouvi algo muito bonito, comecei a procurar de onde vinha, pelos corredores compridos, der repente me deparei com uma pequena orquestra de instrumentos de corda que tocava Adagio de T. Albinoni e depois uma bela versão de Canon de J. Pachebel. Não sei exatamente por que, mas me emocionei muito, e todos que estavam presentes (que não eram poucos) certamente aumentaram um pouco o tamanho de suas baguettes. Talvez Paris seja exatamente isso, o que Rémi, o ratinho estrela de Ratatuille mostra, que nem todos podem ter talento mas que o talento pode vir de qualquer lugar... até mesmo do subterrâneo da cidade-luz. Assim termina a segunda semana.

Le Tatu à Paris

Como será a primeira semana em Paris? Bem, um pouco menos glamurosa do que normalmente se espera da “cidade luz”. Para começar, pega-se um trânsito de quase uma hora e meia, com o taxímetro rodando é claro (de bobo o Abdel não tem nada), para chegar na linda mansão, um mini-quarto e sala, de 1400 euros. Mas até aí tudo bem, quem disse que iria ser fácil...Ah, só pra constar o quarto fica no terceiro andar, adivinha quem arrastou a mala de trinta quilos?
Depois de dores de cabeça, coluna e solidão, chega o primeiro dia da minha excitante rotina na cidade da “liberté, egalité et fraternité” , logo percebe-se que a “liberte” anda mais ou menos, a “igualité” está indo para o brejo e a “fraternité” já morreu faz tempo. É uma cidade feita para se viver sozinho, muitas vezes parece tão bem projetada para que as pessoas não tenham que se falar e portanto não ter problemas , simplesmente viver de forma segura e calma, é o exemplo do “cada um com seus problemas”.
Pegando o ônibus pela primeira vez percebo como Paris é charmosa. É a própria mulher balzaquiana, de trinta anos, ela é muito discreta, mas extremamente perspicaz e seletiva para escolher quem verdadeiramente acolhe. E diferente do que todos haviam me alertado os franceses vem sendo bastante simpáticos e prestativos... quando não se fala francês, é claro.
Ansiosamente resolvi conhecer meus colegas de turma, vamos dizer que foi algo eclético: uma Slovena (Nika), uma japonesa (Kaoru), uma senhora que até hoje não entendi de onde veio e um paquistanês (Iassif), o qual tentou conseguir uma residência para mim. “It is verrrryy nest to Parisss.”
No dia seguinte mudei de turma: uma alemã (Katia), uma suíça (Coco), um colombiano (nada como um representante das FARC), um oficial do exército austríaco ( sempre lembrando de onde aquele baixinho bem famoso veio) e, para completar, um israelense que parece ter caído de pára-quedas.
Até que me entendi bem com o metrô de Paris, apesar de ter todos os tons de cores do arco-íris é fácil se localizar... inclusive quando você se perde pelo centro de Paris e caminha por cinco horas.
Quando bate aquela solidão a gente topa sair com qualquer pessoa. Então lembrei-me de um contato que tinha recebido do Brasil e pensei “Por que não?”, a resposta logo seria respondida. Tratava-se de um estudante de cinema cujo curta se chama “ Necrofilia, uma visão poética”, que lindo! Além disso comentou sobre sua paixão pelos corvos de Paris. Mas apesar disso se revelou uma pessoa muito gentil, e inclusive saímos na noite do meu aniversário com mais uma amigo dele.
Bom gente acho que os fatos relevantes da primeira semana são esses, logo escreverei mais notícias. Continuarei por aqui no meu “château” comendo kebab e bebendo água da pia.
Au revoir.